Ata diz que o cenário se tornou mais ‘desafiador’ com previsões de aumento da inflação. Para o BC, ciclo dos juros vai depender de compromisso com metas da economia. Prédio do Banco Central em Brasília
Flickr do Banco Central
O Banco Central afirmou que uma redução no ritmo do avanço dos gastos públicos, principalmente de forma mais estrutural, com cortes permanentes, pode ser um indutor do crescimento econômico do país nos próximos anos.
A análise consta da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do BC, realizada na última quarta-feira (6).
Na ocasião, a taxa básica de juros da economia brasileira foi elevada em 0,5 ponto percentual, para 11,25% ao ano.
Foi o segundo aumento seguido da chamada Selic. O mercado espera, ainda, outra alta em dezembro, para 11,75% ao ano.
Para o Copom, o crescimento econômico aconteceria por meio do impacto da contenção de despesas nas condições financeiras, no prêmio de risco e na melhor alocação de recursos.
A lógica é que, com a redução de gastos gastos e menor pressão sobre o endividamento do país, as taxas de juros bancárias poderiam ser mais baixas. Isso ampliaria empréstimos para o consumo e para o setor produtivo, que realizaria mais investimentos.
A redução de crescimento dos gastos, principalmente de forma mais estrutural, pode inclusive ser indutor de crescimento econômico no médio prazo por meio de seu impacto nas condições financeiras, no prêmio de risco e na melhor alocação de recursos, afirmou o BC.
Na ata, o Copom citou novamente o aumento de gastos públicos como um fator que pressiona a inflação, juntamente com atividade econômica em alta e um mercado de trabalho aquecido.
Uma política fiscal crível, embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados, em conjunto com a persecução de estratégias fiscais que sinalizem e reforcem o compromisso com o arcabouço fiscal nos próximos anos são importantes elementos para a ancoragem das expectativas de inflação, diz o documento.
o BC reafirmou, ainda, que o ritmo de ajustes futuros na taxa de juros, e a magnitude total do ciclo alta da Selic serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação.
Contas públicas X taxa de juros
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O recado do Banco Central é divulgado em um momento no qual o governo debate internamente, com os ministérios, uma redução dos gastos públicos.
Existe, porém, resistência da ala política e de ministérios ligados à área social no corte de despesas.
O objetivo da redução de gastos é manter operante o chamado arcabouço fiscal, a regra para as contas públicas, e assim, evitar um descontrole fiscal e um crescimento maior do endividamento — que poderia pressionar ainda mais para cima a taxa de juros.
A execução da política fiscal, ou seja, relativa às contas públicas, é de responsabilidade do governo federal, especificamente do Ministério da Fazenda e do Planejamento.
No manejo das contas públicas, o governo tem de obedecer às regras do arcabouço fiscal, que tem metas de superávit e limite para despesas públicas.
O Banco Central, por sua vez, tem por foco principal a política monetária, ou seja, a fixação da taxa de juros para atingir as metas de inflação. Se as projeções de inflação estão em linha com as metas, pode baixar os juros.
Se estão acima dos objetivos, eleva a taxa Selic. É o que vem acontecendo nas últimas reuniões.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, que deixa o cargo no fim de 2024, explicou por quais motivos, na avaliação dele, a taxa de juros é alta no Brasil.
Para ele, os juros são elevados no país por conta do atual nível de endividamento – considerado elevado para o padrão de países emergentes. As considerações foram feitas no ano passado.
Como as decisões sobre juros são tomadas
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Para definir a taxa básica de juros e tentar conter a alta dos preços, no sistema de metas de inflação, o Banco Central olha para o futuro, e não para a inflação corrente, ou seja, dos últimos meses.
Isso ocorre porque as mudanças na taxa Selic demoram de seis a 18 meses para ter impacto pleno na economia.
Neste momento, a instituição já está mirando na meta considerando o próximo ano, e o primeiro semestre de 2026.
A meta de inflação deste ano, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3% e será considerada cumprida se oscilar entre 1,5% e 4,5%;
A partir de 2025, o governo mudou o regime de metas de inflação, e a meta passou a ser contínua em 3%, podendo oscilar entre 1,5% e 4,5% sem que seja descumprida;
Na semana passada, os economistas do mercado financeiro estimaram que a inflação de 2024 somará 4,62% (acima do teto da meta anual) e, a de 2025, 4,10%, e de 3,65% em 2026.
Com isso, as previsões do mercado estão acima da meta central, de 3%, na qual o BC está mirando, nos próximos três anos. No jargão do mercado, as estimativas estão desancoradas das metas.
Além do mercado financeiro, o próprio Banco Central também estimou, na semana passada, que a inflação está acima da meta no chamado horizonte relevante da política de definição de juros, ou seja, de seis a 18 meses.
Esse cenário do BC já contempla aumento dos juros até o fim deste ano, para 11,75% ao ano, e pequena queda em 2025.
Deste modo, o BC está indicando que seria necessário subir mais ainda os juros para atingir as metas de inflação, pois o cenário base atual (com alta moderada) não seria suficiente para trazer a inflação para a meta central de 3%.
O BC avaliou que o cenário de curto prazo para a inflação se mostra mais desafiador.
Houve uma reavaliação dos preços de alimentos por diversos fatores, dentre eles a estiagem observada ao longo do ano. Com relação aos bens industrializados, o movimento recente do câmbio pressiona preços e margens, sugerindo maior aumento em tais componentes nos próximos meses, afirmou a autoridade financeira.
Por fim, a inflação de serviços, que tem maior inércia, segue acima do nível compatível com o cumprimento da meta em contexto de atividade dinâmica, completou.
Recados do Copom
O cenário externo se mantém desafiador, com incertezas econômicas e geopolíticas relevantes. Com relação aos Estados Unidos, permanece grande incerteza sobre o ritmo da desinflação e da desaceleração da atividade econômica, diz o BC.
Em paralelo, a possibilidade de mudanças na condução da política econômica também traz adicional incerteza ao cenário, particularmente com possíveis estímulos fiscais, restrições na oferta de trabalho e introdução de tarifas à importação, acrescenta.
A lógica é que, com mais pressões inflacionárias nos EUA, fruto de aumento das tarifas de importação, o BC norte-americano pode ter de manter os juros mais altos do que o esperado, pressionando o dólar no Brasil e dificultando o controle da inflação.
Os preços de ativos domésticos (como dólar, bolsa de valores e juros futuros) apresentaram volatilidade no período e elevação do prêmio de risco, refletindo as diversas incertezas no cenário doméstico e internacional, avaliou o BC.
O BC avaliou que a atividade econômica e o mercado de trabalho domésticos seguem dinâmicos, com pressão sobre a inflação de serviços.
O Comitê seguirá acompanhando atentamente a dinâmica de atividade, uma vez que o ritmo dinâmico de crescimento da atividade, em contexto de hiato avaliado positivo, torna mais desafiador o processo de convergência da inflação à meta [de inflação], diz.
Para o BC, a conjunção de um mercado de trabalho robusto, política fiscal expansionista [alta de gastos públicos] e vigor nas concessões de crédito às famílias segue indicando um suporte ao consumo e consequentemente à demanda agregada.