*Gabriela Onofre, CEO do Publicis Groupe Brasil
Se você pudesse dar uma olhada no que vai acontecer daqui a cinco anos, o que faria de diferente no seu trabalho de hoje? Essa é a pergunta que trago na bagagem de uma viagem que acabo de fazer à China, com a proposta de mergulhar no ecossistema de tecnologia e inovação do país. Ao lado de um grupo de executivos, vivi dez dias imersa no futuro, um universo pós-moderno que, sim, por lá já chegou faz algum tempo.
A China é esse país de superlativos e contrastes, com maravilhas como a sua famosa Muralha e os palácios da Cidade Proibida, e idiossincrasias como a falta de liberdade de expressão e a ditadura de um partido só. Mas o que ficou claro na nossa viagem é que a população está disposta a abrir mão de democracia, privacidade e acesso à livre informação se, em troca, puder desfrutar dos benefícios da prosperidade financeira. E, diga-se, de uma prosperidade financeira que é palpável a cada esquina.
Na China, 86% do PIB ainda depende de estatais; 7%, das empresas de tech campeãs do governo, e os outros 7% vêm das multinacionais. E esqueça aquela imagem de empresas públicas presas ao passado e emperradas por burocracias. O socialismo chinês é capitalista e futurista. O Estado controla o Ebtida das empresas, porque a riqueza precisa ser distribuída entre a população e ascender economicamente é um sonho possível. Mas, claro, aqui também se tem um custo: os chineses competem ferozmente entre si, chegando a trabalhar de 9h da manhã às 9h da noite, seis dias por semana.
Mas o grande foco da nossa viagem foi entender a revolução tecnológica que o país lidera mundialmente ao lado dos Estados Unidos, e trazer dessa experiência ensinamentos para implementarmos nas empresas em que atuamos no Brasil. Para mim, a primeira lição foi sobre a importância do planejamento, da revisão e do ajuste de metas de forma sistemática: não se chega ao futuro sem foco, disciplina e um plano muito bem-estruturado traçado no presente.
Os chineses deram um salto nos últimos 30 anos, descolando a sua imagem da de um país onde a pirataria imperava para se aproximar do ideal de inovação que ocupa hoje em nossas mentes.
E os direcionais dessa caminhada foram traçados em planos quinquenais do governo – que se renovam a cada cinco anos e garantem um alinhamento entre empresas, setor público e demais “players” do mercado. O objetivo é garantir uma experiência tecnológica irrefutável em toda a jornada dos cidadãos.
As companhias que atuam na área de tecnologia, por exemplo, têm um papel muito bem-definido na sua contribuição à sociedade: conexão, pagamento, carro autônomo, comércio eletrônico, robôs, avanços de saúde. Cada uma é especializada em um quadrado delimitado, com a missão de se tornar uma especialista de ponta em seu setor.
E se por aqui ainda temos a sensação de tatear as ferramentas de inteligência artificial (IA) com experiências muito mais individualizadas do que coletivas, na China a IA já está por todas as partes. Ela é aplicada nas mais diversas funcionalidades, que vão dos catálogos instantâneos da Shein ao controle do tráfego e da segurança nas cidades. Vivenciar como esses agentes já substituem por lá uma série de serviços nos possibilita tangibilizar de que forma a IA será capaz de transformar o jeito que vivemos aqui nos próximos cinco anos, em velocidade exponencial.
Impressionante também é ver como os chineses pularam do dinheiro físico para o modelo digital em um piscar de olhos. Tudo funciona com um QR code no app de pagamento móvel Alipay. A experiência de consumo também está totalmente digitalizada: não há nada que não se encontre no site de compras Tao Bao. E mais: hoje o live commerce já representa 30% do comércio on-line na China, outra disrupção que não vai demorar a chegar por aqui e mudar o jeito como somos influenciados a comprar.
Na China, o orgulho de ser um polo de inovação bateu nos jovens da GenZ, que fazem questão de participar desse storytelling e de fortalecer as suas raízes. Eles ajudam as marcas locais a assumirem cada vez mais protagonismo econômico e sociocultural, e a se manterem fiéis às suas essências, derrubando o filtro ocidental que por anos era colocado sobre a ótica local. No fim, todas as pontas se juntam: inovação, economia, cultura e orgulho.