Em 2016, a falta de oportunidades no mercado de trabalho para profissionais negros levou a publicitária Daniele Mattos a criar uma comunidade no Facebook, chamada Indique Uma Preta. A principal preocupação dela era quanto às indicações para vagas abertas, quase sempre ocupadas por profissionais não-diversos.
“Cargos estratégicos eram ocupados por brancos, que indicavam outros brancos, perpetuando o privilégio da branquitude”, explica Daniele em entrevista à EXAME. Sua percepção não era algo individual: à medida que mais mulheres negras passaram a integrar o grupo, ela percebeu que se tratava de um problema estrutural, inerente ao mercado.
A partir deste grupo, foi possível criar uma rede fortalecida por mulheres negras no setor corporativo para melhorar a exclusão econômica vivida por elas, como a dificuldade de acessar oportunidades formais e de ascender às posições de liderança.
Quando as comunicadoras Amanda Abreu e Verônica Dudiman ingressaram na comunidade, também incomodadas com os obstáculos para conseguir oportunidades, surgiu a ideia de transformar as trocas online em um encontro presencial para discutir o cenário das empresas. “Eu sabia que era boa e capaz, mas precisava de uma comunidade, uma liderança ou alguém que pudesse me ajudar. Quando entrei no grupo, minha vida mudou”, conta Abreu.
A decisão deu origem a uma série de eventos focados no trabalho para mulheres negras. Nas semanas seguintes, o grupo celebrava as novas oportunidades, os anúncios de transições de carreira e os depoimentos motivadores. “Aos poucos, as empresas começaram a nos acionar”, explica Verônica.
Comunidade antirracista
Em 2020, a Indique Uma Preta foi formalizada como uma empresa, passando a atuar como consultoria para ajudar outras companhias a melhorar seus cenários de diversidade. Além disso, também passou a oferecer serviços de recrutamento e seleção, voltados para a inclusão de pessoas negras, seja em vagas pontuais ou em programas afirmativos.
Após oito anos, a consultoria já impactou 27 mil pessoas negras em processos seletivos para mais de 270 vagas, além de oferecer workshops e capacitações para quase 4 mil profissionais e empreendedores. O grupo de Facebook segue ativo, com mais de 8,5 mil participantes.
Amanda explica que, além de direcionar oportunidades para profissionais negros, a Indique Uma Preta trabalha para que os candidatos tenham o melhor desempenho possível. “Capacitamos a comunidade para entender os códigos do mercado de trabalho: como se portar em entrevistas, montar um currículo adequado, compreender o inglês corporativo, entre outros”, destaca.
Já com as empresas, o trabalho inclui a sensibilização das lideranças por meio de palestras, rodas de conversa e consultorias antirracistas. A Indique Uma Preta também desenvolve estudos sobre a vivência da população negra no mercado de trabalho, que ajudam a nortear estratégias de diversidade e inclusão.
Para as cofundadoras, trabalhar com grupos historicamente minorizados é essencial para reduzir desigualdades, melhorar a economia e integrar a diversidade racial às práticas de ESG das empresas. “Nosso papel é ajudar as empresas a entenderem as pessoas negras para além da inclusão. Queremos que elas enxerguem novas referências, bagagens e pluralidade, conectadas ao Brasil real”, diz Verônica.
Cenário de desigualdade
Para Daniele, não se pode dizer que a diversidade saiu da pauta das empresas, mas sim que uma parte das companhias viu um amadurecimento nas suas iniciativas.
Apesar da consultoria ainda trabalhar com grandes empresas para inserir a diversidade na estratégia corporativa, como Itaú, Unilever, Natura e Google, houve uma queda nas ações afirmativas voltadas à contratação de pessoas negras em 2024.
Verônica aponta que muitas empresas ficam no “ensaio” da implementação da diversidade, sem realizar ações concretas. “São poucas as empresas que se comprometem a mexer com estruturas, desconfortos e privilégios. A maioria evita essa responsabilidade. Calculando o tempo de escravidão versus o de liberdade, ainda há muito a ser feito. Não é uma causa ganha”, avalia.
Amanda complementa que essa abstenção também representa uma falha de mercado. “A população negra é um público que consome, entende o mercado e observa atentamente as marcas que querem se comunicar com ele. As empresas que não criam produtos voltados para essa população acabam perdendo mercado”, alerta.
Internamente, a redução de programas voltados para profissionais negros também impacta na inclusão e acolhimento dessa população. Exemplos disso estão nas pesquisas Raça e Mercado de Trabalho e Lideranças em Construção, realizadas pela Indique Uma Preta:
- 44% dos respondentes desconhecem a existência de ações afirmativas em suas empresas.
- 37% dos profissionais negros relataram ter enfrentado algum tipo de discriminação racial no ambiente de trabalho.
- 57% dos entrevistados afirmaram que as empresas onde atuam não oferecem espaços de acolhimento para denúncias de racismo.
Dudiman reforça que, mesmo com o trabalho ativo da comunidade, o suporte contra discriminações raciais no trabalho precisa vir das empresas. “Profissionais negros precisam de mais do que redes externas; precisam de empresas comprometidas com a construção de ambientes seguros”, conclui.