Pesquisa mostra que mulheres mais jovens, em especial até os 30 anos, enfrentam ainda mais barreiras no trabalho devido à idade. ‘Me vestia como um moleque’, ‘sócios ganhavam mais’ e ‘não era ouvida’ são alguns dos relatos dados ao g1. Carolina Nucci e Mariam Tapeshashvili contam como driblaram os julgamentos na carreira
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Carolina Nucci era jornalista de automobilismo quando, durante uma coletiva de imprensa no autódromo de Interlagos, foi barrada e ouviu de um fiscal: “Mocinha, com essa carinha, certeza que foi algum piloto que te deu essa credencial”.
Sem entender o porquê do questionamento, ela se defendeu dizendo que estava ali a trabalho e com a devida autorização. Sua fala não foi suficiente. Carolina precisou acionar a chefia de imprensa, um homem, para garantir o básico: seu direito de trabalhar.
Na época, acuada em um ambiente predominantemente masculino, a alternativa da jornalista para não ser julgada como uma “Maria Capacete” foi usar uma aliança falsa.
“No início da minha carreira, usei uma aliança falsa de compromisso para ser respeitada. Não inibiu, mas os assédios ficaram mais sutis”, lembra.
O episódio relatado por Carolina aconteceu há 20 anos, mas é um exemplo perfeito de como os julgamentos, a falta de oportunidades e os assédios ainda são problemas atuais para mulheres no ambiente de trabalho, em especial para as profissionais mais jovens.
O relatório Women in the Workplace, da consultoria McKinsey & Company e da Lean In, feita com 15 mil trabalhadores ao redor do mundo, mostra que quase metade das mulheres entrevistadas com menos de 30 anos afirma que a idade impactou negativamente suas oportunidades de trabalho.
Além disso, 36% relataram que a idade foi um fator na perda de aumentos, promoções ou chances de progresso, em contraste com apenas 15% dos homens.
Esses fenômenos ajudam a explicar a disparidade entre homens e mulheres em cargos de liderança, conforme o relatório. Em média, as mulheres ocupam apenas 29% dos cargos de alta administração.
Mariam Topeshashvili faz parte deste seleto grupo. Aos 28 anos, ela é gerente de uma agência internacional que conecta produtores de conteúdo e empresas.
Nascida na Geórgia, e criada em uma favela no Rio de Janeiro, nem mesmo o currículo impecável, com formação na Universidade de Harvard, a blindaram de enfrentar os mesmos problemas de outras mulheres.
“Já ouvi comentários irônicos, sarcásticos. Sempre velados. Frases que duvidavam da minha capacidade. Por exemplo, tal coisa não foi feita porque era eu que estava ali”, lembra.
“Me vestia como um moleque”, “sócios ganhavam mais” e “não era ouvida” são outros relatos compartilhados por Mariam e Carolina — que hoje é CEO em uma agência de marketing.
➡️ A seguir, conheça a história dessas profissionais e estenda mais sobre o tema a partir dos seguintes pontos:
Do machismo ao etarismo
Autossabotagem e demissões
Rede de apoio e denúncia
Do machismo ao etarismo
O relatório divulgado pela Women in the Workplace destaca que as mulheres enfrentam barreiras significativas desde a contratação até a promoção. Microagressões e etarismo afetam negativamente suas carreiras.
💬 Microagressões são ações ou comentários que desqualificam, discriminam ou questionam de forma sutil determinados grupos.
💬 Etarismo é preconceito ou discriminação contra pessoas por causa da idade. Ele pode se manifestar pro meio de atitudes, estereótipos e exclusão social ou profissional.
Para Ana Fontes, fundadora da maior rede de apoio ao empreendedorismo feminino no Brasil, a Rede Mulher, a pesquisa também diz muito sobre a desigualdade entre gêneros.
“Os homens não são tão julgados quanto as mulheres (…) quando um homem jovem é promovido, o sentido é de admiração e não de questionamento”, analisa.
Além da aliança falsa, Carolina Nucci conta que, durante sua carreira como jornalista de automobilismo, se sentiu obrigada a mudar sua aparência para tentar inibir os assédios.
“Me vestia como um moleque porque, na época, o assédio era visto como normal. Ser chamada de ‘Maria Capacete’ era comum. Hoje, vejo que não era o ideal, mas era o que eu conseguia fazer”.
No início da carreira de jornalista, Carolina Nucci usava uma aliança falsa e mudou sua aparência
Carolina Nucci/ Arquivo Pessoal
Depois de alguns anos, Carolina deixou a carreira de jornalista e passou a estudar engenharia química, momento em que enfrentou ainda mais resistência: “falavam que não era lugar de menina”.
Mais tarde, ela descobriu sua vocação para marketing. Mas, mesmo neste setor, passou por episódios de machismo e etarismo. “Sempre me viam como uma menina. Não era levada a sério (…) descobri que meus sócios ganhavam mais e ouvi de outra mulher que eles precisavam mais, porque eram pais de família”.
“Para mim, perguntavam: com quem sua filha ficava quando estava doente (…), para o meu marido falavam que ‘a paternidade engrandece o homem'”.
A pesquisa da Women in the Workplace também mostra que 37% das entrevistadas afirmam ter sofrido uma ou mais formas de assédio sexual em suas carreiras.
Enquanto isso, 39% das mulheres afirmam já terem sido interrompidas enquanto falavam, 38% tiveram sua área de especialização questionada e 18% já foram confundidas com outro profissional de nível inferior.
“O julgamento não está só em ambientes corporativos. Já ouvi mulheres serem julgadas pelo próprio companheiro: ‘Você vai dar conta desse negócio? Você tem certeza?’ É uma questão séria, porque a autoconfiança da mulher já é minada durante toda a vida”, pontua Ana Fontes.
Mesmo Mariam, que sempre se destacou academicamente e conseguiu uma bolsa integral em uma das principais universidades do mundo, não escapou dos questionamentos, tanto na vida acadêmica quanto em sua carreira profissional.
“Me sentia um patinho fora d’água. Como uma mulher, jovem, estrangeira, falando em uma terceira língua, sentia que não era ouvida”, relembra Mariam.
Mariam Topeshashvili enfrentou julgamentos e microagressões ao longo de sua vida acadêmica e profissional
Mariam Topeshashvili/ Arquivo Pessoal
Autossabotagem e demissões
Ainda de acordo com o relatório da McKinsey e Lean, as vítimas de microagressões têm maior probabilidade de se sentirem esgotadas, considerarem deixar seus empregos e verem seus locais de trabalho como injustos.
Além do aumento das taxas de demissão voluntária, esse tipo de situação pode provocar um aumento em casos de “burnout” e reduzir a inovação nas empresas, afirma Dhafyni Mendes, cofundadora do Todas Group, que oferece mentorias para mulheres que desejam ocupar cargos de liderança.
“Mulheres que são frequentemente interrompidas em reuniões e cujas opiniões são desconsideradas, mas quando ditas por outros são valorizadas, tendem a ter sua segurança psicológica e desempenho profissional afetados”, explica Dhafyni.
Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora, e Dhafyni Mendes, cofundadora do Todas Group, aconselham mulheres que sofrem julgamentos no trabalho
Arquivo Pessoal
Mariam, por exemplo, afirma que situações do tipo podem causar impactos maiores em mulheres mais jovens.
“É até pior porque não temos maturidade para lidar com isso. Você pode começar a se autosabotar, questionar se é merecedora. Aconteceu comigo. Eu chegava em casa e pensava: será que faz sentido ter o cargo que eu tenho? “.
Outro ponto importante discutido é o “degrau quebrado”. Esse termo se refere à dificuldade que as mulheres enfrentam para conseguir suas primeiras promoções para cargos de liderança.
Dhafyni destaca que é essencial consertar esse “degrau” para garantir que, a longo prazo, mais mulheres possam alcançar posições de liderança de forma justa.
Ela também ressalta a importância de as empresas terem políticas claras e eficazes para apoiar o crescimento profissional das mulheres. Além disso, é necessário oferecer treinamentos que ajudem a conscientizar sobre preconceitos e promover um ambiente de trabalho mais inclusivo.
Rede de apoio e denúncia
Carolina e Mariam destacam a importância de reportar situações de desconforto aos superiores. Para elas, o silêncio perpetua o ciclo de preconceito nas corporações.
“Não deixe essas situações passarem despercebidas. Informe seu gestor, pois outras pessoas podem estar passando pelo mesmo se nada for feito”, aconselha Mariam.
“Aquela frase que ouvi ainda ecoa quando percebo que sou subestimada. Quando olho para o passado, penso: por que não denunciei? Tanto assédio. Precisamos mostrar que isso é errado”, afirma Carolina.
Outro conselho das profissionais é buscar apoio e se impor. Para Mariam, uma forma de fazer isso é buscar ajuda com mentores e redes de apoio formadas por outras mulheres.
“Não desista. Você pode estar enfrentando muitas dificuldades, não só pelo cargo de liderança, mas porque é uma das poucas que conseguiu e serve de exemplo para outras que querem chegar lá.”
Carolina também sugere ter um plano de longo prazo: “Tenha um plano e mantenha comunidades de apoio. Mulheres não competem, se ajudam”.
Além de todos esses cuidados, Ana Fontes ressalta a importância de as mulheres buscarem conhecimento constante.
“Conhecimento é ler e entender o mundo à sua volta. Leia sobre o mercado em que atua para ter uma visão mais ampla. Como somos julgadas o tempo todo, demonstrar conhecimento e confiança ajuda muito na percepção dos outros sobre nós”.
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